Uma enorme parte dos métodos e das estratégias recomendadas e utilizadas advém de paradigmas comportamentais que só são aceites na relação adultos e crianças e que nunca iriam ser propostas para melhorar uma relação entre dois adultos. Estas ideias são particularmente más quando nos relacionamos com crianças que experienciaram traumas e stress tóxico, mas se queremos praticar parentalidade consciente, não são recomendadas em situação nenhuma. Aliás, muitas delas até causam mesmo trauma e stress.
Abordagens baseadas em controlo comportamental que utilizam a ideia de dar e retirar amor, castigos, time outs prémios e recompensas têm as suas raizes na ciência que tem mais de 100 anos onde se estudava como manipular o comportamento de animais. Décadas mais tarde, nasceu o comportamentalismo.
Em meados do século 20 as ideias do comportamentalismo ganharam muita força pois demonstrou eficácia em algumas áreas. Mas nos anos 90, neurocientistas que estudaram o cérebro descobriram que na abordagem focada em manipular comportamento faltam duas coisas extremamente importantes: as emoções do indivíduo e a importância de relações saudáveis e seguras.
Finalmente entendeu-se que só porque um comportamento mudou, não significa que a qualidade de vida da criança tenha alterado (e muitas vezes nem o sucesso escolar por exemplo). Ainda hoje, imensas pessoas chamam programas comportamentalistas ”baseadas em evidência” porque são baseadas em estudos. Mas essa ”evidência” não quer necessariamente dizer que uma abordagem é boa e saudável para a criança. Provavelmente quer dizer que é boa para satisfazer as necessidades e desejos dos adultos à sua volta.
Ajudar as crianças a conseguirem ter um comportamento mais saudável para todos (que é o que prefiro dizer em vez de ”portar-se bem”) não é a mesma coisa como curar uma dor de cabeça. Beber água, tomar um comprimido ou colocar pressão num ponto de acupunctura pode diminuir ou fazer desaparecer a dor. O que acontece muitas vezes nas intervenções comportamentalistas é que o comportamento ”negativo” diminui mas não promove um neurodesenvolvimento saudável da criança, nem satisfaz as necessidades que causaram o comportamento. A criança pode ficar mais obediente, mas também ficar ainda mais stressada e traumatizada. (já agora, também sabemos que se uma dor de cabeça for muito persistente e voltar muitas vezes, convêm procurar a sua verdadeira raiz)
O comportamento de uma criança é (ainda) mais inconsciente do que o comportamento de um adulto. É instintivo, existe para satisfazer necessidades e responde a ameaças.
É por isso que focar apenas em corrigir (manipular) os comportamentos das crianças é tão perigoso. Muitos de nós já somos vítimas da forma que fomos educados, traumas e stress que vivemos, emoções que não nos deixaram mostrar e viver na infância. Estamos a propagar um ciclo vicioso onde vamos ver cada vez mais pessoas stressadas, ansiosas, deprimidas na nossa sociedade. E já temos muitas…
Claro que, temos uma boa parte da população que argumenta que estão ”bem” e que as formas violentas através das quais foram educadas foram merecidas e só lhes fez bem, quem é que nunca ouviu alguém dizer “Eu também apanhei e ainda foram poucas. Só me fez foi bem!”. Esta idealização é um processo psicológico de defesa que conseguimos explicar (mas fica para outro artigo). E não nos serve para criar um mundo melhor.
Quando punimos uma criança mal comportada estamos a aumentar o seu nível de stress. E quando utilizamos estratégias e programas comportamentais que não reconhecem o papel das necessidades, das emoções e do trauma não estamos a olhar para o comportamento como a grande pista que ele é. Não estamos focados no melhor para a criança, estamos focados no melhor para nós. Em vez de demonstrarmos ”tolerância 0” e reprimirmos o mau comportamento deveríamos demonstrar ainda mais amor e compaixão. Em vez de castigar e isolar deveríamos oferecer segurança e conexão.
O comportamento é uma forma de comunicar, é uma espécie de solução para o verdadeiro problema que a criança inconscientemente arranjou. E é apenas o topo do icebergue. Temos de ativar o detetive compassivo em nós. Aquele que quer mesmo saber o que se passa e que quer mesmo ajudar. Só assim é que vamos conseguir uma mudança sustentável e saudável.
Mães e pais, saibam que existe sempre uma escolha e podem fazê-la de forma consciente! A escolha mais tradicional da gestão e controlo do comportamento ou a escolha focada no desenvolvimento neurológico e psicológico (também conhecida como baseada nas relações) que estão focados na criação de relações seguras e saudáveis e nas diferenças individuais.
Trocar quadros de recompensa e consequências inventadas por amor, segurança, compreensão é essencial para a saúde mental das nossas crianças, agora e como futuros adultos. As crianças muito ”mal comportadas” não necessitam de menos tolerância, necessitam de mais. As crianças que têm o comportamento mais desafiante são as crianças mais traumatizadas. Estão se instintivamente a proteger e a fazer aquilo que se faz quando se está sob ameaça (lutar, fugir ou congelar). E a forma de mudarmos isso, é fazer com que elas se sintam seguras e amadas. É fazer com que elas possam encontrar a sua paz através do nosso coração. A solução, está na relação.
Como diz o ditado sueco:
”Ama-me mais quando menos mereço pois é quando mais preciso.”
No livro ”Educar com Mindfulness” tens imensas estratégias para a tua prática de uma parentalidade consciente e uma parentalidade baseada em criação de boas relações.
Interessante reflexão. Apesar de bastante complexo de pôr em prática, muito fruto da educação que nós, hoje pais, tivemos enquanto filhos. Não podia estar mais de acordo que, quando aumentamos a tensão ao responder negativamente a uma birra, só ampliamos o stress e incómodo de todos os presentes. Se pelo contrário, acolhermos a birra com carinho, ela vai “derreter-se” no mimo!
Obrigada Mia🙏🏼💗
Excelente artigo. Minha próxima leitura será este livro que já sei que é fantástico. Eu sou muito grata por compartilhares tantas coisas boas, tantos ensinamentos bons que tem melhorado cada dia mais a minha relação com meus filhos. Me sinto muito grata mesmo. Parabéns!!
Vem mesmo na altura certa! Ótimo artigo. Grata!